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Perdoar não é esquecer

Hoje me peguei refletindo sobre o peso do arrependimento e o caminho árduo do perdão. Em algum momento da vida, todos nos deparamos com a consciência dos nossos erros e das consequências de nossos atos. Esses momentos, muitas vezes, chegam como um choque de realidade – quando finalmente percebemos o quanto podemos ter ferido alguém ou sido feridos.


Foi então que me dei conta de que o perdão não acontece isoladamente; ele surge no contraste entre o que foi feito e a intenção que existia no coração. Quantas vezes, diante de um erro, somos tomados pela culpa, pelo medo, por aquela sensação amarga de repulsa? E quantas vezes, diante do erro do outro, sentimos a dor pulsante da decepção? A mente, então, entra em um ciclo de reviver e reelaborar memórias, tentando encontrar sentido naquilo que machucou.


Na minha leitura, se há arrependimento, é porque existem valores e intenções que não foram compatíveis com as atitudes tomadas. Muitas dessas atitudes nascem de emoções intensas, de um repertório limitado de como lidar com determinadas situações. E, por mais dolorosos que sejam, os erros não definem por completo uma pessoa. Entre um erro e outro, há longos intervalos de tentativas de acerto, esforços para agir de maneira diferente – momentos que, muitas vezes, passam despercebidos, ofuscados por um único instante de falha. Curiosamente, raramente nos lembramos desses períodos de dedicação.


A mente grava o erro com nitidez cruel, mas apaga o esforço, o compromisso, os pequenos sucessos que ocorreram entre um tropeço e outro. E então me pergunto: o que realmente significa perdoar? Esquecer? Deixar para trás? Aceitar sem questionar?


A parte mais desafiadora do perdão é que, ao contrário do que muitos dizem, ele não se baseia no esquecimento. A verdade é que ninguém esquece uma dor facilmente. No melhor dos cenários, quando alguém perdoa, não apaga o que aconteceu – mas decide continuar, apesar da dor. O perdão não é um gesto de negação, mas de discernimento: a escolha de quais memórias guiarão as próximas condutas.


O problema é que, ao decidir perdoar, corremos o risco de nos apegarmos à esperança de que algo nunca mais acontecerá. E, nesse caso, o perdão se torna uma ilusão. Na minha visão, perdoar dessa forma é esquecer-se de si mesmo. Querer apagar uma experiência dolorosa seria como desejar apagar parte de quem somos. Da mesma forma, desejar esquecer algo que nos tornou vulneráveis em uma relação é impossível.


O perdão, para mim, não está em fingir que a dor não existiu, mas em decidir, conscientemente, dar novas chances. E aqui vale lembrar o significado etimológico da palavra "decidir", que remete a "cortar fora". Perdoar não significa simplesmente seguir em frente sem questionar – significa escolher agir de modo a minimizar as chances de que aquilo aconteça novamente, ainda que o risco de erro continue existindo.


O que quero dizer é que, para perdoarmos plenamente, precisamos acreditar que as chances de sermos feridos da mesma forma estão diminuindo. E essa crença não nasce do nada — parte dela vem da disposição de acreditar na capacidade do outro, mas a outra parte precisa se apoiar em evidências concretas de que há um esforço genuíno para mudar.


Da mesma forma que confiamos mais no pedido de perdão de alguém quando percebemos que ele reconhece seus erros e busca mudar, confiar no perdão é permitir que, apesar da dor, o outro ainda possa ocupar um lugar de oportunidade. Não se trata de esquecer o que aconteceu, mas de perceber que, entre tantas tentativas, há acertos. E a pessoa que oferece esse lugar, mesmo ciente do que houve, decidiu apostar novamente – e, portanto, perdoou seu erro, ainda que corra o risco de se machucar novamente.


O ato de perdoar é um poderoso sinal de confiança.


E como tudo na experiência humana, temos a oportunidade de sentar nas duas cadeiras: em muitos momentos, somos quem perdoa; em outros, somos quem precisa ser perdoado. Em ambos os casos, a confiança se faz necessária. Se foi você quem errou, é preciso ter a autoconfiança de saber que é amado e capaz de mudar. E, se foi você quem perdoou, é preciso confiar que esse amor foi reconhecido e que o esforço para valorizá-lo será genuíno.

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