Desatando os nós - da garganta.
- Bruna Fang
- 3 de set. de 2024
- 7 min de leitura
Algo que me incomodava muito em meus relacionamentos era que mesmo me sentindo satisfeita, a satisfação era um sentimento inconstante: hora sentia que eu estava construindo algo muito legal, hora eu estava cheia de nós na garganta, querendo sair daquela relação.
Toda vez que esses momentos chegavam, eu pensava.. o que será que estou fazendo de errado? Será que todo relacionamento é assim, tão complicado? A sensação que eu sentia era uma sensação muito parecida de quando estou fazendo uma peça de crochê e me arrependo no meio. Quero continuar o que comecei, mas não vejo mais propósito, ao mesmo tempo, tenho pena de me desfazer de tudo o que já foi construído.
Tive um relacionamento que durou dois anos assim, até que um dia cheguei no meu limite e expressei, "não sei como lidar com tantos nós, talvez a solução seja romper essa relação".
Perdi o chão, pois ele me surpreendeu, “também acho”.
Aterrorizada, me vi cheia de nós, dessa vez tendo que desatá-las sozinha.
Eu não me sentia capaz de lidar com aquilo me sentindo só, eu sentia que precisava de ajuda, eu estava machucada. Fui correndo para várias direções tentando achar alguém que me ajudasse a sair daquele grande emaranhado de dores. No meio dessa busca afobada, mais cedo do que eu imaginava, encontrei um garoto tão cheio de nós na garganta quanto eu, ele depois se tornou meu marido.
O encontrei cedo demais, tão cedo ao ponto de eu começar a interagir com ele cheia de amarras do relacionamento passado, e eu sabia que isso me atrapalharia. Então, para não deixar meus nós atrapalharem a relação, comecei a fazer terapia pra tentar construir algo diferente nesse novo relacionamento.
O início foi lindo, havia tanta esperança de que dessa vez eu seria capaz de fazer muita coisa diferente. Eu via alguns nós surgindo, ficava com medo, levava pra terapia e os desatava. Algo era diferente com ele, como se ele não temesse meus nós, então no dia a dia, quando apareciam, eu me desafiava e os desatava na hora com ele. Alguns eram mais difíceis, mas nos trancos e barrancos a gente se resolvia. No fundo, eu me esforçava tanto porque permanecia com medo de causar o que causei no meu antigo relacionamento.
Me esforcei muito no início em evitar qualquer formação de um novo nó, ao mesmo tempo, eu via que ele tinha os dele. Mas até aqui eu sabia que eu precisava resolver os meus nós, pois da última vez meu erro foi esperar o nó ficar muito grande para falar. "Dessa vez vou pela ponta mais recente da nossa história", era o que eu pensava.
“Agora pouco, quando você me respondeu de tal forma, me senti desrespeitada”. Ele me ouvia e desatávamos.
Aliviada, conseguia me expressar melhor, ganhava cada vez mais o meu espaço para continuar construindo o que eu queria construir. Só que eu sentia que, no meio dessa linda construção, algo apareceria novamente.. As coisas fluíam, e mesmo fluindo eu pensava comigo mesma: "não adianta resolver os meus nós, vai durar pouco, eu já sei que um novo nó virá" … às vezes me surpreendia, as fases boas duravam mais tempo do que eu imaginava.
Comecei a me sentir desvalorizada, estava me esforçando em desatar meus nós para tornar nossa relação agradável e ele não parecia ter desatado os dele. Ferida e cheia de orgulho, começava um diálogo interno cheio de rancores e indignação.
"Quer saber? Vou continuar fazendo por mim, o problema é dele."
"A minha parte sei que estou fazendo."
"Nenhum nó vai ser tão grande ao ponto de interromper nosso processo agora."
Por dentro, mesmo me dizendo tudo isso eu torcia para um novo nó não se formar, mas se formava.
Toda vez que um novo nó aparecia, minha raiva só aumentava.
Cheguei ao meu limite e pensei: De novo isso? Dessa vez eu tenho certeza de que realmente fiz a minha parte. "Ele precisa ver que ele está cheio de nós para serem desatados, está na hora dele fazer a parte dele".
Incomodada, tentava mostrar os nós que ele deixou de desatar no nosso início. Tentava explicar como aquele nó se formou, como desatei aquele nó sozinha e como eu queria que ele reconhecesse esse meu esforço. Eu ia me perdendo, formando mais nós.
“Porque desde o início você faz isso”… “você não percebe meu esforço..”
Ele, ora orgulhoso, ora sincero e confuso, dizia: 'Não entendo... Só me diz o que você quer que eu faça.
Eu me frustrava, e pensava: será que ele nunca será capaz de ver os nós que eu desatei para essa relação chegar tão longe?
Mas como ele seria capaz de ver o nó que eu me referia, se este estava na minha garganta e não na dele?
Eu olhava pra ele incrédula, "como pode um ser conviver com seus próprios nós sem se incomodar?".
Eu não sabia ainda como lidar com os meus próprios nós, e por isso, apontava o quanto ele não sabia lidar com as dele.
Brigávamos.
Tomávamos distância e nos acalmávamos
Esquecíamos..
Uma fase boa vinha
...
Até o nó voltar novamente
"Ah não, de novo! Como expressar tudo o que estou sentindo se nem sei por onde começar? Da última vez deu tudo errado, brigamos e não chegamos a lugar algum." Pensava isso e então não começava nada.
Comecei a perder a esperança nos relacionamentos.. deixava passar, não porque aquilo não era importante, mas porque já não sabia mais como mudar. Chegava a falar pra mim mesma: “acho que as pessoas têm razão quando dizem que relacionamento é cansativo”.
Mesmo assim, apesar de todos esses sentimentos, eu não queria botar tudo a perder, eu esperava e continuava construindo o que era possível, isso nos fazia evitar o rompimento, mas era angustiante.
Sete anos se passaram dessa forma, as circunstâncias daquela época haviam nos distanciado, éramos pessoas diferentes das quais começaram aquele relacionamento. Quando me dei conta, nos vi sem vontade de continuar criando juntos, perdemos o fio, perdemos nosso espaço em meio à tantos nós.
Um dia, cansada de ter que lidar com tantos nós, me expressei com mais força.. e essa força causou mais resistência do outro lado, nos colocando em um nó mais apertado.
Me vi novamente tentando me expressar, por um fio de perder tudo o que eu havia construído.. Já estávamos mais maduros quando me dei conta disso, mas mesmo madura, a única maneira que eu havia aprendido a lidar com os nós da minha vida era cortar e abandonar.
E então eu fiz o que eu sabia fazer, anunciei: "precisamos romper, há em mim um grande nó que nós não vamos conseguir desatar. Eu já vivi isso uma vez, pode ir que já sei como desatar meus nós sozinha."
O outro lado, entrou em choque. Ficou em silêncio, mas sua resposta me surpreendeu.
Disse ele, reconhecendo: "Você sempre esteve certa. Eu te via desatando os nossos nós sozinha. Eu errei e não quero errar de novo, se esse nó que te desgasta é nosso, eu preciso começar a aprender a desatar com você, não te deixarei sair dessa relação com tantos nós para desatá-las sozinha."
Esse momento foi um momento de virada.
Até então eu nunca tinha conseguido tamanha validação. Entendi que eu não estava buscando elogios vazios pra esforços específicos do dia a dia. Eu estava tentando chegar nessa validação. Não no “você está certa”, mas numa expressão sincera que descrevia a nossa realidade da maneira como eu estava vendo.
Imediatamente, entendi que aquele nó na garganta se formava toda vez que eu mesma subestimava minha própria inteligência e questionava minha sanidade. Eu não estava buscando validação sobre os meus atos, e sim na forma como eu lia os fatos. Eu não estava louca, nem exagerando, os nós existem sim - ele também os vê!
Foi então que entendemos: mais importante que resolver nossos nós é reconhecer que eles estão ali.
Fomos aceitando que os nós nas nossas gargantas, mesmo invisíveis, existem. São válidos. Não são ingratidão, desamor, maldade, são nossas emoções tentando sair de dentro de nós.
Aos poucos fomos entendendo as nossas diferenças.
Por medo do fim, eu estava disposta a desatar nós antes mesmo deles se formarem.
Já ele, os percebia, também os temia, mas só tomou coragem de resolvê-los quando se aproximou do fim.
Naquele momento, pouco me importava as nossas diferenças. Tudo o que eu conseguia ver nele eram valores raros e inegociáveis, a coragem de admitir seus próprios nós e a disposição de tentar aprender a desatá-los, ou no mínimo encará-los de maneira diferente.
Aceitamos nossas diferenças e assumimos responsabilidade por cada nó formado em nosso casamento, pois grande parte daquele emaranhado se formou quando entrávamos em cabo de guerra para provar de quem era a culpa dos nós formados em casal.
Dessa vez, cada um assumiu sua parte.
Paramos de puxar para lados opostos, na verdade paramos de puxar e passamos a observar juntos, pensar juntos e aprendermos juntos. Parece lindo, mas honestamente, observar, pensar e executar é algo que é muito mais fácil de se fazer sozinho… então deu muito trabalho reaprender a fazer tudo isso juntos.
Tinham dias e dias, alguns dias estávamos mais cansados e isso nos deixava desleixados, causando mais nós. Tinham dias que estávamos mais dispostos e desatávamos com mais cuidado, atenção e gentileza.
Independente da forma como aprendemos a desatar alguns dos nossos nós, tiramos grandes lições:
Fomos aprendendo que a resistência nunca alivia um nó, que só nos aperta mais ainda.
Entendemos que resistência não era somente contrariar, que ela aparecia de várias formas diferentes: indisposição, indiferença, invalidação.
Percebemos que alguns nós chamavam mais a minha atenção, outros mais a dele. De qualquer forma, toda vez que alguém se queixava de um nó, o outro tratava com a mesma importância.
Percebemos que alguns nós acabavam nos distraindo, tirando o foco do nosso grande objetivo em comum, o crescimento. Também aprendemos a perceber essas distrações..
Entendemos também que é importante ter a tesoura por perto, pois romper precisa ser sim uma opção. Se colocamos pressão em desatar logo um nó, mais estressante essa experiência fica.
Entendemos que a desesperança de que não há saída causa mais nós.
Hoje sabemos que estamos construindo algo juntos que no futuro podemos não estar construindo mais. No entanto, por sabermos que cada nó que aparece em nossas vidas é desatado de acordo com os nossos valores, não nos desapontaríamos em saber que a tesoura se tornou necessária. Aprendemos a confiar no nosso próprio processo de decisão pessoal e de casal.
Nesse processo, fomos reaprendendo a confiar um no outro, entendendo que os nós fazem parte de nós.
Entendemos que nosso objetivo central não seria evitá-los ao máximo por medo dos conflitos, e sim abraçá-los, aproveitando o momento de desatar como um processo simultâneo de autoconhecimento e de troca. Aceitando a existência desses nós, sabemos que, cada momento entre nós será um espaço de desfrutar desse período sem crises, e uma única regra teria de ser seguida: quando a experiência de desatar nossos nós chegar, devemos evitar ao máximo cortar e machucar um ao outro.
Nosso novo objetivo se tornou aprender juntos a como desatar nossos nós de forma leve, divertida e acima de tudo, da nossa própria maneira.
Comments