top of page

Há beleza em cada detalhe da sua existência

Há beleza em cada detalhe da sua existência. As mais belas, porém, você só consegue enxergar de olhos fechados, quando contempla tudo o que é capaz de acontecer dentro de si.

Recentemente, me mudei para uma casa com jardim. As pessoas que moravam aqui antes eram extremamente cuidadosas com as plantas: tiravam as pragas toda semana, cultivavam frutas e legumes. Hoje, essa responsabilidade é minha. Mas nunca havia, de fato, cuidado de um jardim, de plantas que demandam atenção específica, diariamente. Nos primeiros meses, ganhei novas mudas de presente — lavanda, tomate, manjericão — e percebi que já estava com esperanças baixas sobre minha habilidade de mantê-las vivas. Me chamei de "dedo podre," imaginando que tudo que tocasse acabaria murchando.

Ainda assim, todos os dias eu me esforçava em cuidar delas, mas sem uma real disposição em conhecê-las. Tratei todas da mesma maneira, como uma tarefa, sem realmente estudar o que poderia deixá-las mais ou menos saudáveis.


Ao conversar com uma paciente, me vi mergulhada em uma reflexão sobre o que realmente significa cuidar. Compartilhei com ela o que percebi sobre o modo como tenho cuidado das plantas em casa: sem carinho genuíno, apenas uma obrigação a ser cumprida. No fundo, vi que minha intenção ao cuidar delas não era um ato de amor, mas um esforço para sustentar uma expectativa externa, uma imagem de "suficiência." Temia que meu jardim, antes tão bem cuidado, morresse sob minha responsabilidade.

Percebi então que não cuidava das plantas por afeto; fazia isso por medo de parecer insuficiente. Só de imaginar o jardim sem vida, me sentia envergonhada, incapaz. A tarefa de cuidar delas virou uma forma de proteger uma imagem que eu achava que deveria manter, não um gesto genuíno de carinho.


Essa percepção abriu uma porta para algo maior: quantas vezes me cobro para cuidar de mim da mesma forma? Não com o objetivo de aprender algo ou evoluir, mas para corresponder a uma expectativa, para manter uma fachada de "bem-estar" ou "sucesso." Ou, talvez, apenas para evitar uma imagem de "insuficiente" ou "incapaz." Refletimos também sobre o quanto projetamos essa lógica em quem cuidamos.


Quantas vezes, ao ver uma plantinha murcha, me peguei pensando: “Nossa, que sensível… basta uma chuvinha e já não aguenta!” E percebi quantas vezes essas falas já não colaram em minha própria autoidentificação. Rótulos como “difícil”, “sensível”, “chatinha,” ditos com pressa, mas que acabam nos moldando, sendo internalizados. Essas palavras saem em momentos de impaciência — com os outros e até com nós mesmos — quando tentamos “corrigir” rapidamente sinais inconvenientes de insatisfação ou dor.


Quando surgem sentimentos como raiva, medo ou tristeza, nosso impulso é "corrigi-los" depressa, como se fossem distorções a serem eliminadas. Mas quantas vezes fazemos isso por autoconhecimento, e não apenas para “apagar o fogo” e manter as aparências?


Nosso autocuidado acaba sendo, muitas vezes, mais uma forma de evitar o desconforto de nos sentirmos em falta, de parecer que não damos conta. Quantas vezes repetimos: "Preciso me exercitar todos os dias, acordar mais cedo, comer melhor," e vamos fazendo isso quase no piloto automático. Tentamos nos cuidar, mas estamos focados em manter uma aparência de completude.


O verdadeiro desafio é nos abrirmos para essas emoções, mesmo quando elas trazem à tona sombras que preferimos não ver. Talvez esse seja o ponto central do autocuidado: permitir que essas emoções tenham espaço, sem pressa para corrigi-las. Estar presente, de olhos fechados, e contemplar a beleza que floresce até nos cantos mais obscuros da nossa existência.


Como falei no início: só conseguimos encontrar nossa verdadeira beleza se olharmos com disposição para tudo o que nossa existência tem a oferecer.


E esse "tudo" não é feito apenas de partes boas.

Posts recentes

Ver tudo
Perdoar não é esquecer

Hoje me peguei refletindo sobre o peso do arrependimento e o caminho árduo do perdão. Em algum momento da vida, todos nos deparamos com a...

 
 
 
Eu tenho medo do escuro.

Na infância, o escuro parecia esconder braços, antenas ou dentes afiados. Mas, na vida adulta, as sombras tomam outras formas. Elas se...

 
 
 
Desatando os nós - da garganta.

Algo que me incomodava muito em meus relacionamentos era que mesmo me sentindo satisfeita, a satisfação era um sentimento inconstante:...

 
 
 

Comments


bottom of page